segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Para onde caminhamos?

Chegamos num momento em que é inimaginável ver o que vemos, e sentir o que sentimos. Como Brasil, sou obrigado a me perguntar: nos perdemos? Onde foi?
Num país continental, que há décadas vive da promessa de "Somos o País do Futuro", uma pandemia mundial, uma crise politico-socio-econômica, uma polarização em todos os assuntos possíveis e impossíveis, e uma desvalorização da vida como um todo, tenho que me perguntar: para onde fomos? Como chegamos aqui?
Talvez a melhor resposta fosse simples: chegamos onde plantamos. Plantamos, como o mundo plantou, anos de divisões, falta de interpretação de texto, valorização da nostalgia em detrimento do presente causando um reacionarismo desmedido,  uma desvalorização da vida em todas as suas formas, da menor a mais idosa, do preso, do analfabeto, do negro, do LGBT+, da mulher, a falta da compaixão, do olhar ao mentalmente doente, da pessoa com necessidades especiais, com os que usam do corpo para o ganho, com os que vivem sob o relento, independente de como lá chegaram, dos viciados, dos codependentes, dos abnegados, daqueles que se entregam pela vida do outro, seja ela qual for. Seria tudo isso um sinal de onde erramos? Acho que sim.
Erramos ao deixar que a pornografia se tornasse uma das maiores industrias do mundo, afetando nossa visão de sexualidade, sexualização, conhecimento corporal, mentalidade, imaginação, relacionamento interpessoal, entre tantos outros campos de nossas vidas. Erramos ao deixar o nazifascismo impune por tantos anos, ao não tipificar certos crimes, ao deixarmos alguns atos de justiça olho por olho  agir em nossa sociedade. Erramos ao colaborarmos com a cultura do descarte através da novíssima onda de cancelamentos, onde uma causa até justa, como o boicote a empresa, se estende a pessoas, que pasmem, são passíveis de erros, e ao serem expostas ao tribunal popular, especialmente nos tempos conectados em que vivemos, perdem a chance de qualquer recuperação por já serem descartas e consideradas irrecuperáveis, por conta dos erros cometidos. É uma busca tola pelo perfeccionismo de ações e aparências. Não queremos, enquanto sociedade uma melhora estrutural, e sim, uma que atenta aos padrões pessoais que ansiamos.
Assim, talvez, nessa rápida análise, podemos chegar em algumas reflexões: o que eu estou realmente querendo para mim, para quem está próximo de mim não só sentimentalmente, mas além, mas socialmente, de forma geral, não apenas o pessoal da empresa, ou o amigo que frequenta o mesmo templo. E o o outro a quem eu nunca fui e que sofre? Não nos perdemos porque não enxergamos que todos sofrem, ainda que não queiram passar essa impressão?
Me lembro de ver diversas situações de pessoas relatando diferentes tipos de sofrimento, e a pergunta é: quem foi até lá só pra ouvir e tentar partilhar do sofrimento? O sofrimento não é aceito pela cultura do descarte. O sofrimento é sinal, para essa cultura, de falha, não pelo sofrer em si, mas pelo o que ele afeta nas suas relações. Um grito ou outro é por vezes escutado, mas nós voltamos sempre para nossas bolhas de dopagem, e esquecemos dos gritos que ouvimos, dos pedidos de socorro, das milhares de imperfeições que carregamos enquanto seres humanos e sociedades, e que se não reconhecermos em nós, não podemos ir adiante.
Chegamos aqui, porque não queremos reconhecer nossos defeitos, nossas necessidades, apenas nos doparmos para nos preenchermos de algo que dê sentido a nossa vida, ainda que de forma rasa, para caminharmos. Nossa necessidade de passado é um desses sinais, afinal  no passado, tudo era melhor, não é mesmo?
Lembremos que ele nunca volta, e que futuro, esse não temos, a morte bate a nossa porta a todo momento, esperando a brecha para fazer o seu trabalho. Aproveite o dia, e lembre-se dela, afinal, só temos hoje para fazer tudo que necessitamos fazer, para nós, e para os outros.